Este é um tema
complexo, porque, admitem alguns, a proibição da função da mulher como pastora
ou líder na igreja tem forte conteúdo cultural dos judeus e da sociedade
greco-romana. Se Deus trata cada povo em sua cultura – estes se perguntam – por
que não poderia agir diferente com a evolução cultural ocidental? O tema é complexo
porque leva o exegeta a encaixar seu posicionamento seguindo as regras da
hermenêutica bíblica, que inclui o exame léxico (etimologia das palavras),
sintático (princípios gramaticais do idioma), contextual e histórico de um
povo, e nem todos conseguem palmilhar por essa senda sem cometer erros; nem o
mais aprimorado intérprete bíblico.
Vale ressaltar que na
maioria das igrejas que titulam mulheres ao ministério são seus maridos que,
como apóstolos, bispos ou pastores exercem o governo da igreja e, tem na esposa
uma ajudadora. A presença de mulher com título e exercício de autoridade
ministerial é comum na maioria das igrejas históricas e neopentecostais.
Um dos argumentos dos
que se opõem aos títulos ministeriais dados às mulheres é a alegação de que o
“sacerdócio” foi dado aos homens; ora, esta defesa esbarra no fato de que no NT
não existe mais a função sacerdotal e que todos os crentes são levitas e
sacerdotes no reino de Deus. Portanto, fica anulada a tese de que o pastor é o
“sacerdote”. Outros ainda defendem o pastoreio de mulheres argumentando que as
igrejas que elas pastoreiam são bem melhores que aquelas pastoreadas por homens
e, que, mesmo as pastoreadas por homens precisam do toque feminino delas na
beleza ambiental.
I.
As mulheres na tradição judaica do Antigo Testamento.
Não se pode trazer para
o contexto atual o Antigo Testamento como base para tal assunto, porque lá
também se veem casos positivos e negativos. Existe o misterioso caso de Seerá, que
viveu no período patriarcal, filha de Efraim que construiu três cidades,
enquanto seus dois irmãos morreram porque eram ladrões de gado (1 Cr 7.24).
Débora, mulher de Lapidote era profeta e juíza em Israel (Jz 4.4 e ss.), mas não
se pode tomar o caso de Débora como normalidade; ela foi uma exceção numa época
em que “não havia rei em Israel; cada um fazia o que achava reto” (Jz 21.25).
Assim como no AT se tem
exemplos positivos de mulheres com boa governança, tem-se também exemplos
negativos, como Jezabel e Atalia que eram más e perversas; mas, também homens
perversos ocuparam o trono de Israel. Salomão, no fim da vida se tornou tão
perverso quanto as mulheres que lhe perverteram a vida espiritual levando-o a
adorar e a sacrificar aos deuses de suas esposas (1 Rs 11.1-8).
II.
As mulheres na época de Cristo
No Novo Testamento as mulheres
acompanharam a Jesus durante todo o seu ministério, servindo-o com seus bens
(Lc 8.1-3), estiveram com ele na sua morte e ressurreição (Jo 19.25; 20.1,11) e
receberam o Espírito Santo no dia de Pentecoste (At 1.14), este último fato indica
uma mudança de comportamento social e espiritual da época profetizado por Joel.
Jesus redimiu a mulher
da posição inferior no reino espiritual, por isso Paulo cita que “... todos vós
sois filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus; porque todos quantos fostes
batizados em Cristo de Cristo vos revestistes. Dessarte, não pode haver judeu
nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois
um em Cristo Jesus” (Gl 3.26-28).
Este é um
posicionamento espiritual, não de governo. Alguns tomam este texto, fora de seu
contexto para defender que todos são iguais “na posição de governo” perante
Deus.
III.
A ordenação de mulheres na Igreja primitiva: Os apóstolos e a posição da mulher
na vida da igreja
Assim como as mulheres
ajudaram a Jesus em seu ministério, nos primeiros dias da igreja elas foram incansáveis
companheiras dos apóstolos.
As mulheres são vistas
no livro de Atos e nas epístolas colaborando com a expansão do reino, mas não se
tem casos delas assumindo o governo da igreja. Acredita-se que Lídia, a
vendedora de púrpura convertida à beira do rio pela pregação de Paulo tenha
sido quem primeiro falou de Jesus e deu início à igreja de Tiatira, mas não foi
a ela que Jesus se dirigiu na carta do Apocalipse. Priscila, ao lado de seu
marido muito colaborou com Paulo, aliás, hospedou-o em sua casa, e juntos
dividiam a mesma profissão. Mas não se vê Priscila agindo sozinha, mas sempre
em companhia do marido (At 18.1, 24-28).
Que os apóstolos
andavam acompanhados de uma mulher é visto na defesa que Paulo faz de querer
também viajar acompanhado de uma delas, uma mulher irmã, esposa ou não, conforme
a interpretação de alguns, pela margem que a palavra grega permite (1 Co 9.5),
o que se pode afirmar com segurança a participação de mulheres na vida da
igreja e nas viagens ao lado dos apóstolos. Se Pedro e os irmãos de Jesus
podiam viajar acompanhados de mulher – pergunta Paulo – por que ele e Barnabé eram
criticados quando assim procediam? Portanto, o que está em evidência aqui é a necessidade
de uma mulher companheira, e não a posição de autoridade governamental nem o
exercício de dons que as mulheres recebiam de Deus e compartilhavam na igreja.
Paulo
e a ordenação de mulheres
A contrariedade de
Paulo quanto as mulheres falarem em público deve ser analisada exegeticamente,
porque Paulo escreve a Timóteo tratando a respeito da igreja de Éfeso, e,
possivelmente lá estava Priscila e seu esposo Áquila (Ver 1 Tm 2.9-15) e também
em relação a Corinto, um caso especial de mulheres na igreja (1 Co 14.34-35).
O comentarista Mathew
Henry comentando o texto de 1 Tm 2.9-15 coloca o tema nestes termos:
É
uma ordem apostólica: As mulheres devem ser modestas, sóbrias, silentes e
submissas na igreja.
1. Devem se vestir com
modéstia, sem vestimentas espalhafatosas ou caras (é possível fazer uma leitura
de uma mulher pela sua aparência, se ela é vaidosa e orgulhosa), porque possuem
ornamentos melhores que são a piedade e as boas obras. Em vez de gastar seu
dinheiro em vestes caríssimas, deveriam gastá-lo em obras de piedade e
caridade, que são as boas obras.
2. As mulheres devem aprender os princípios
da fé, aprender de Cristo e das Escrituras.
3. Devem ficar em silêncio, submissas e
sujeitas, não usurpando a autoridade. A razão deste mandamento é porque Adão
foi formado primeiro e depois Eva, o que denota subordinação e dependência
dele. Ela foi tirada de Adão para lhe servir de ajudadora. A base de sua submissão, não é porque foi criada
depois, e, sim o fato de que foi a primeira a transgredir.
“Mas receio que, assim
como a serpente enganou a Eva com a sua astúcia, assim também seja corrompida a
vossa mente e se aparte da simplicidade e pureza devidas a Cristo” (2 Co 11.3).
A sentença da submissão ao marido veio sobre a mulher por causa de sua
transgressão. “E à mulher disse: o teu desejo será
para o teu marido, e ele te governará” (Gn 3.16). E aqui tem uma palavra de
conforto à mulher, de que aquelas que viverem sobriamente serão preservadas:
“Todavia, será preservada através de sua missão de mãe, se ela permanecer em
fé, e amor, e santificação, com bom senso” (1 Tm 2.15).
O Centro
Apologético Cristão de Pesquisas traz ainda mais luz sobre este tema:
Vejamos com mais detalhes alguns dos pontos
mais decisivos de 1 Timóteo 2.12: Primeiro, Paulo diz não permitir que a mulher
ensine nas igrejas. Ensinar, no Novo Testamento é uma atividade bem ampla.
Todos os cristãos podem ensinar, quer, por exemplo, quer pelo seu testemunho,
quer em conversação. O próprio apóstolo determina que as mulheres idosas
ensinem as mais novas a amarem seus maridos (Tt 2.3-5). Assim, fica claro que
Paulo não está passando uma proibição geral. Mas, então, o que ele está
proibindo? Transparece do texto que ele não permite que a mulher, ocupe uma posição
de autoridade para ensinar os homens. Nas Cartas Pastorais, ensinar sempre tem
o sentido restrito de instrução doutrinária autoritativa, feita com o peso da
autoridade oficial dos pastores e presbíteros (1 Tm 4.11; 6.2; 5.17). Ao que
tudo indica, algumas mulheres da igreja de Éfeso, insufladas pelo ensino dos
falsos mestres, estavam querendo essa posição oficial para ensinar nas
assembléias cristãs. Paulo, porém, corrige a situação determinando que elas não
assumam posição de liderança autorizada nas igrejas, para ensinarem doutrina
cristã nos cultos, onde certamente homens estariam presentes. Paulo não está
proibindo todo e qualquer tipo de ensino feito por mulheres nas igrejas. Profetizas
na igreja apostólica certamente tinham algo a dizer aos homens durante os
cultos.
Para o apóstolo, a questão é o exercício de
autoridade sobre homens, e não o ensino. O ministério didático feminino,
exercido com o múnus (função) da autoridade que ofícios de pastor e presbítero
emprestam, seria uma violação dos princípios que Paulo percebe na criação e na
queda. O ensinar que Paulo não permite é aquele em que a mulher assume uma
posição de autoridade eclesiástica sobre o homem. Isso é evidente do fato que
Paulo fundamenta seu ensino nas diferenças com que homem e mulher foram criados
(v. 13), e pela frase “autoridade sobre o homem” (v. 12b). Um equivalente
moderno seria a ordenação como ministro da Palavra, para pregar a Palavra de
Deus numa igreja local.
3. O que Paulo quer dizer com
“exercer autoridade”?
E continua a análise:
Isto nos leva ao ponto seguinte. Paulo diz
também não permitir que a mulher exerça autoridade sobre o homem (1 Tm 2.12 –
versão corrigida). A proibição de exercer autoridade sobre os homens exclui as
mulheres do ofício de presbítero, que é essencialmente o de governar e presidir
a casa de Deus (1 Tm 3.4-5; 5.17), embora não as exclua de exercer outras
atividades nas igrejas.
Resumindo:
Para apoiar o
ministério de mulheres como líder da igreja há que se passar por cima de uma
série de textos bíblicos:
1. Paulo ordenou
apenas homens ao presbitério (At 14.23).
2. Nenhuma mulher
foi chamada pelo Espírito Santo para acompanhar Paulo e Barnabé (At 13.1-3). Se bem que, mais tarde, Paulo gostaria de
ter uma mulher consigo (1 Co 9.5-6).
3. O Espírito Santo
constituiu bispos e não “bispas” [episcopisa] (At 20.28).
4. Em Filipos existe
a menção de bispos e diáconos, e não há menção de “bispas” [episcopisas] e
diaconisas (Fp 1.1).
5. Paulo não
ensinou ordenação de mulheres (1 Tm 3.1-5).
6. A ordenação ao
ministério era realizada por intermédio do presbitério, que era composto de
homens (1 Tm 4.14; 5.17,22).
7. Em Creta apenas
homens foram prescritos para o presbitério (Tt 1.5).
8. Pedro não
menciona mulheres presbíteras em suas cartas (1 Pe 5.1-4).
9. Tiago não
incluiu as mulheres entre os presbíteros, para fazerem orações de fé (Tg 5.14).
10. O livro de Hebreus
também não menciona mulheres entre os pastores (Hb 13.7,17).
Historicidade:
1. A igreja Anglicana
do Brasil começou a consagrar mulheres em 1944 em Hong Kong. No Brasil começou
em 1985, mas o processo e estudos para a consagração de mulheres começou em
1973.
2. A igreja Metodista
do Brasil ordena mulheres ao ministério desde 1970.
3. A igreja Evangélica
de Confissão Luterana do Brasil começou a consagrar mulheres em 1983.
4. A Igreja Evangélica
Luterana – IELB – não consagra mulheres.
5. Igreja Presbiteriana
do Brasil não consagra mulheres.
6. A Igreja
Presbiteriana Independente do Brasil consagra mulheres desde 1999.
7. A Convenção Batista
Nacional estuda a possibilidade de consagração de mulheres ao pastorado em
conferência prevista para agosto.
8. A Convenção Geral
das Assembleias de Deus do Brasil – CGADB – rejeitou em 2011 a consagração de
mulheres, mas uma convenção estadual do Distrito Federal consagra mulheres.
9. Já a Assembleia de
Deus Ministério de Madureira consagrou compulsoriamente as esposas dos pastores
presidentes.
Conclusão:
Como agir diante da
situação em que se encontra a igreja atual? A opinião deste articulista é que
se deve incentivar a participação de mulheres na vida da igreja, visto que elas
participavam ativamente da igreja nos dias apostólicos, sem ignorar que as
igrejas atuais em que as mulheres exercem ofício ministerial ao lado de seus
esposos como ajudadoras, independentes de terem título ministerial ou não,
comumente são prósperas e equilibradas. A questão aqui não é o uso de títulos
ministeriais usado por mulheres e homens, mas questão de governo. Títulos
apenas enobrecem o indivíduo; o que fazem com dedicação enobrece a Deus.
Fica aqui a sugestão de
que o tema seja avaliado com honestidade por aqueles que são contra ou a favor
da ordenação de mulheres ou da participação delas na vida da igreja, e que
sejam respeitadas as igrejas que, em sua exegese decidiram pela presença da
mulher no ministério, tanto ao lado de seus esposos ou não. Uma radicalização
do tema, sem respeito ao posicionamento dos líderes que optam por terem
mulheres com títulos ministeriais pode causar danos à unidade do corpo de
Cristo.
Afinal, não está em
jogo aqui a salvação, mas a ordem na igreja.